Como já foi reconhecido publicamente pelo governo, o sector da cultura foi dos primeiros a ver as suas actividades suspensas e será dos últimos a conseguir uma retoma. No caso do cinema, a situação é calamitosa. As salas de cinema estão fechadas e, quando finalmente for possível reabri-las, prevê-se uma fraca afluência de público. Várias produções (algumas já em fase de rodagem) foram interrompidas e adiadas sine die; quando regressarem as condições para poder prosseguir, os produtores terão de fazer face ao acréscimo de custos da paragem forçada e das novas condições de rodagem em contexto de distanciamento social. E, sobretudo, existem hoje – e continuarão a existir nos próximos meses – milhares de profissionais sem trabalho, num sector marcado pela precariedade e sazonalidade da atividade, profissionais para os quais nunca foi criado um regime especial de “intermitentes”, e que terão dificuldade em encaixar no sistema de apoios para os trabalhadores independentes da segurança social.
Para fazer face à situação, a Plataforma do Cinema pensou em três medidas de intervenção pública que devem ser instituídas com carácter de urgência:
1) criação imediata de um fundo de emergência para os trabalhadores do sector, à semelhança do que já está a ser feito noutros países (Espanha, França, Reino Unido) e que também em Portugal foi estudado pelo ICA até essa possibilidade ter sido subitamente descartada pela SEC e pelo MC;
2) criação de um plano de contingência a dois anos para as diversas entidades que operam no sector (produtoras, festivais, cineclubes, empresas de serviços, exibidores e distribuidores independentes, etc) que amortize os prejuízos da suspensão das actividades previstas até que estas possam ser retomadas;
3) Incremento do papel da RTP junto do cinema, lembrando que ainda há uns anos estava em vigor um protocolo RTP / ICA que garantia um complemento financeiro automático ao montante atribuído pelo ICA a cada projeto apoiado, ficando a televisão pública com direitos de exibição do filme como contrapartida.
No passado dia 20 de Abril, representantes da Plataforma do Cinema reuniram com o Secretário de Estado e com o Presidente do ICA. O Secretário de Estado rejeitou a totalidade das propostas apresentadas pela Plataforma, alegando que não podem existir medidas de apoio a fundo perdido, que as questões dos trabalhadores da cultura devem ser resolvidas pelos ministérios centrais e que as medidas de apoio ao sector se irão cingir à flexibilização das regras administrativas no ICA. Tal como a Ministra da Cultura, o Secretário de Estado coloca a tónica no futuro do sector.
A Plataforma do Cinema não percebe que futuro é esse de que falam Ministra e Secretário de Estado. É revelador de uma preocupante falta de lucidez que se pondere a discussão de um novo plano estratégico no final do ano, enquanto se testemunha de braços cruzados a expectável falência de produtoras, distribuidores, exibidores independentes e outras entidades do sector. O efeito em cadeia levará a que o dinheiro destinado a projectos apoiados pelo ICA seja usado em desespero para a sobrevivência de profissionais que se encontram totalmente desamparados e para a sobrevivência das estruturas.
A Plataforma do Cinema considera que não existirá qualquer futuro com a inacção do presente. Constata a absoluta irrelevância política do Ministério da Cultura e da recém criada Secretaria de Estado do cinema e do audiovisual. E confirma definitivamente que os actuais ocupantes do Palácio da Ajuda não sentem fazer parte do sector que tutelam, que não o conhecem e que nada farão para o preservar.
Convencidos de que as dificuldades no sector do cinema e na cultura em geral irão infelizmente agravar-se, a Plataforma do Cinema apela à união entre profissionais e agentes da área da cultura para fazer ver aos responsáveis políticos, independentemente de quem sejam, que o Estado não pode lavar as mãos e abandoná-los à sua sorte na actual conjuntura. A responsabilidade política não ficou suspensa com o estado de emergência ou com a situação sanitária no país.
Pela Plataforma do Cinema
Agência da Curta Metragem
Apordoc – Associação pelo Documentário
APR – Associação Portuguesa de Realizadores
Casa da Animação
Curtas Vila do Conde
Doclisboa
IndieLisboa
Monstra – Festival de Animação de Lisboa
PCIA – Produtores de Cinema Independente Associados
Porto/Post/Doc
Portugal Film
Queer Lisboa
SINTTAV – Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e Audiovisual