PROPOSTA DO GOVERNO NÃO RESPONDE AOS PROBLEMAS DO SECTOR, APR INSISTE EM PROPOSTAS PARA ASSEGURAR DIREITOS LABORAIS E PROTECÇÃO SOCIAL.
Depois de no mês passado ter avançado sozinho para o anúncio de uma proposta de Estatuto dos Profissionais da Cultura que gerou desilusão entre as organizações, o Governo sentiu a pressão e regressou ao diálogo com várias associações representativas do sector na passada semana. As reuniões tiveram lugar nos passados dias 19 e 20 de maio, tendo sido discutida a proposta de Estatuto que está em consulta pública até 17 de Junho. Passou quase um ano desde a primeira reunião entre as organizações e o Governo. Nesta ronda de reuniões, o Governo admitiu rever alguns aspectos fortemente contestados pelas organizações, mas continua a defender o essencial da sua proposta e das suas limitações.
A proposta do Governo, tal como está, não responde aos problemas principais do sector: não estão previstos verdadeiros incentivos para a celebração de contratos de trabalho e não é assegurada uma protecção social eficaz e que responda à intermitência dos rendimentos dos profissionais da cultura.
A pressão das organizações levou a que fossem introduzidos alguns avanços importantes relativamente à protecção social, mas, depois de vários anúncios e promessas, a sua concretização na proposta do Governo é muito restritiva. As regras previstas para o novo subsídio para a suspensão de actividade obrigam a um tempo de espera de 3 meses, acentuando a fragilidade na intermitência em vez de proteger. A conversão de cachets em carreira contributiva tem valores de referência muito elevados, muito acima das baixas remunerações efectivamente pagas no sector. E o Governo recuou no prometido acesso ao subsídio por cessação de atividade para todos os trabalhadores independentes, com ou sem dependência económica de um empregador. Falta um verdadeiro compromisso para acabar com a precariedade no sector, sem o qual este Estatuto não cumprirá os objectivos anunciados. Na proposta apresentada pelo Governo, a nota introdutória demonstra uma inaceitável aceitação de décadas precariedade no sector, nomeadamente quando é dito que “grande parte das actividades culturais se baseia em relações de trabalho com autonomia jurídica”. Esta aparente “autonomia jurídica” resulta de práticas ilegais e tristemente generalizadas no sector, que empurram os trabalhadores para os falsos recibos verdes quando deveriam ser celebrados contratos de trabalho.
A APR defende incentivos claros para a celebração de contratos de trabalho, propostas pelas quais nos temos batido desde o início deste processo. A atribuição de apoios públicos deve ser condicionada à demonstração do respeito da lei laboral. Com a implementação do Estatuto, deve ser criada uma plataforma digital para agilizar a celebração dos contratos de trabalho, comunicando de imediato as obrigações do trabalhador e da entidade empregadora perante as finanças e a segurança social.
A APR defende uma protecção no desemprego/cessação de actividade verdadeiramente abrangente e que não seja abaixo do limiar da pobreza (o mínimo nesta Proposta são 219,40 euros), com acesso imediato quando o trabalhador precisa da protecção.
O contexto actual não ajuda a imaginar profissionais da cultura com direitos laborais e sociais quando o Estado, através dos organismos que tutela ou financia, não dá o exemplo e permite o abuso dos falsos recibos verdes. O próprio processo de discussão do Estatuto fica marcado por situações gritantes, como na Casa da Música ou em Serralves, em que o Ministério foi cúmplice na manutenção do abuso.
O Estatuto tal como é apresentado na proposta submetida à consulta pública está a deixar o Governo isolado. A APR vai apresentar um parecer detalhado sobre a proposta de Estatuto antes do dia 17 de junho.
Estamos a tempo de criar um verdadeiro Estatuto que responda às necessidades do sector. Foi neste sentido que a APR aceitou contribuir ao longo do último ano para a criação do Estatuto. Esperamos que o Governo não perca esta grande oportunidade de mudar a realidade das últimas décadas, virando a página para finalmente assegurar direitos laborais e uma verdadeira protecção social para os profissionais da cultura.